David
Bianchini
Paulo silenciou por
alguns instantes. A pergunta, que sempre tivera uma resposta automática, agora o
levava a profundas reflexões. Aquelas paredes, as reuniões e todas aquelas
pessoas que vinham em busca de auxílio...
Lembrou-se de como
tudo começara. Fora a vontade de ajudar uma senhora, carinhosamente chamada de
Naná por todos que a conheciam, já idosa e de cabelos brancos, portadora de
interessantes dons mediúnicos, que o levou a reunir um grupo de amigos, alugar
uma casa e iniciar um trabalho mais organizado de ajuda aos que vinham buscar,
naqueles dons, lenitivo para suas dores.
E eram muitos os
que chegavam e que ajudados partiam, voltando outras vezes com outros pedidos ou
com amigos também desesperados. Muitos, multidões. Esses mesmos é que chamaram o
lugar de Centro Espírita. Talvez, porque acontecesse o aconselhamento aos
desesperados, por Espíritos que falavam com os recursos de Dona Naná, ou por
causa da água que depois da prece parecia curar as dores de alguns, ou mesmo da
paz que todos levavam de volta a seus lares quando partiam...
Mas, cismava Paulo,
seria ali um Centro Espírita?
De início, ele
sempre sorria e afirmava confiante que ali era o Centro Espírita da Dona Naná.
Aceitara sem questionar a afirmação, até que lhe perguntaram o que significava a
palavra "espírita"? Percebendo sua ignorância, e como era um dos responsáveis
pelo lugar, saiu à procura do conhecimento. Então descobriu Kardec, a
Codificação e se pôs a estudar e a refletir... Percebeu que os fenômenos
mediúnicos aconteciam desde há muito tempo e em diversas escolas
religiosas.
Exemplos claros de
mediunismo se percebem nos cultos afro-brasileiros, na manifestação do "espírito
santo" que cura nos cultos evangélicos, assim como estiveram presentes nas
pitonisas e adivinhos nas religiões do passado.
O fato de ser uma
casa onde se manifestam os Espíritos, portanto, não bastaria para que o local
fosse denominado ou credenciado como "Centro Espírita". Outros locais também
prestavam socorro aos necessitados. Sem conotações religiosas, muitos homens de
boa vontade se organizam na prática da solidariedade, objetivando minimizar o
sofrimento humano.
São tantas outras
"casas e centros" não religiosos que reequilibram socialmente as pessoas que
batem às suas portas, em busca de apoio e orientação, e que trabalham para uma
vida social mais justa e harmoniosa. Tão só ministrar essa ajuda solidária não
caracteriza uma casa como Centro Espírita, mesmo que um "bom Espírito" esteja na
orientação dessas atividades caridosas.
Paulo compreendeu
que nem mesmo a junção das duas características acima seriam suficientes para
caracterizar corretamente o Centro Espírita. Recordou que as palavras
Espiritismo e espírita (ou ainda espiritista) só passaram a figurar dos
dicionários a partir do instante em que Allan Kardec criou esses termos para
designar a Doutrina que codificara e os seus seguidores.
O senso comum,
presente no povo, a tudo dava uma feição generalizada e simplória. Mas os
dirigentes e semeadores da Terceira Revelação - percebeu Paulo - não podem
equivocar-se quanto aos princípios e os postulados básicos dessa Doutrina, pois
serão cegos a conduzir outros cegos!
O papel do Centro
Espírita transcende o auxílio material e o serviço solidário. Em primeiro lugar,
é escola da alma. No Centro Espírita compreendemos o significado da existência,
o porquê das vicissitudes que enfrentamos em nossa jornada terrena. Nele,
bebemos as lições que o Espírito de Verdade veio trazer à Terra, revelando-nos
uma nova visão de Deus e ensejando-nos o entendimento ampliado das leis que
regem a vida em todos os cantos do universo.
Antes do conforto
material dispensado ao carente, antes da cura de uma enfermidade, o Centro
Espírita é caminho para o entendimento do Evangelho de Jesus. É o ponto de luz,
o farol a clarear a senda escura de quem procura a Verdade. Aí reside sua maior
finalidade: educar o ser humano, no sentido mais profundo do termo, para
ultrapassar os limites temporais da existência corpórea e enxergar-se como
Espírito imortal, viajante no tempo, herdeiro de suas ações e construtor do seu
amanhã.
Tem o Centro
Espírita, por missão, libertar a criatura dos condicionamentos psicológicos a
que foi acorrentada, durante séculos, pelas igrejas dogmáticas, que tanto medo
infundiram nas massas com um Deus impiedoso ameaçando as consciências culpadas
com as labaredas do fogo eterno...
O Centro Espírita,
que educa o ser, constrói a consciência, fortalece a vontade para o bom combate.
Falamos da luta travada contra as próprias imperfeições, a luta contra o orgulho
e o egoísmo.
Para que um Centro
possa ser verdadeiramente Espírita, será preciso, portanto, que assuma
primeiramente esse papel de condutor de almas. Do contrário, poderá reduzir-se a
um posto distribuidor de víveres ou fornecedor de passes, água energizada,
aconselhamentos e paparicos, correndo assim mesmo o risco de ouvir as queixas da
ingratidão.
Ensinemos, por
isso, aos que mendigam a luz, o caminho do autoconhecimento e da transformação
moral. Ao pão do corpo, acrescentemos o alimento para a alma, que está no
Evangelho de Jesus, desdobrado no conhecimento espírita. E, em vez do passe
compulsório, apontemos o serviço da caridade, em favor de si mesmo e do
semelhante.
Agindo assim,
poderá o dirigente responder com segurança à indagação, dizendo: Sim, aqui é um
Centro Espírita.
"Para que um Centro possa ser verdadeiramente Espírita, será preciso, portanto, que assuma primeiramente esse papel de condutor de almas..."
Extraído do jornal
Alavanca - jan/98
(Jornal Mundo
Espírita de Março de 1998)
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